terça-feira, 8 de novembro de 2011

Wladimir Pomar: Entre o inesperado e o inusitado



Comentários Políticos - Wladimir Pomar
As atuais realidades brasileira e internacional parecem tão inesperadas e inusitadas, principalmente se as compararmos com aquelas vividas há 20 ou 30 anos atrás, que interpretações desencontradas se tornaram de uso corrente.

Por exemplo, ainda hoje, apesar das experiências da China e do Vietnã, ainda há muitos socialistas que culpam a natureza supostamente antidemocrática do socialismo científico proposto por Marx e Engels pelo fracasso do socialismo soviético. A conclusão óbvia é que não leram Marx e Engels com atenção. Ou não examinaram o que realmente ocorreu com a experiência soviética. Ou ambas as coisas.

O socialismo científico de Marx e Engels referia-se a países desenvolvidos do ponto de vista capitalista, nos quais as contradições sociais estivessem no grau em que hoje estão ingressando os Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra e França. Não estava na previsão deles que a história se adiantaria e criaria condições para revoluções, dirigidas por comunistas e socialistas, em países de capitalismo muito pouco desenvolvido, originando situações inesperadas e inusitadas, que merecem uma análise mais profunda.

Outro exemplo é o daqueles socialistas que, embora achem que a superação do atraso, da exploração e da opressão não passe pela adoção estrita do modelo capitalista de produção, acreditam que tal superação pode ser resolvida por experiências socialistas supostamente já testadas com sucesso, como o cooperativismo. Neste, a posse dos meios de produção seria de todos, haveria democracia na gestão, através de assembléias, e os ganhos seriam distribuídos por critérios justos.

O cooperativismo é realmente uma invenção socialista, mas suas experiências de sucesso têm sido limitadas e, em geral, afogadas pela concorrência capitalista, tanto do ponto de vista econômico, quanto social, político e ideológico. A própria experiência cooperativista tem mostrado que, sem o apoio do poder público, e sem que ele se expanda para o conjunto da sociedade, sua existência estará sempre subordinada a fatores conjunturais de brechas no modelo capitalista de produção. Em geral, a preponderância capitalista costuma eliminar experiências cooperativistas com certa facilidade.

Em tais condições, o sucesso do cooperativismo depende da solução do problema político do conjunto de todo o poder de Estado. Pode-se dizer que taticamente, sob o capitalismo, o cooperativismo é uma boa escola de socialismo e deve ser promovido ao máximo. Mas, estrategicamente, para que se desenvolva por toda a sociedade, precisa ter o poder político orientado pelos interesses dos trabalhadores e não dos capitalistas.

É nesse contexto de predomínio ou domínio capitalista que se coloca a atual situação inesperada e inusitada, no Brasil e em outros países da América Latina, dos socialistas terem galgado o governo através de eleições com regras ditadas pelas próprias elites capitalistas. Embora Engels tenha vislumbrado essa situação, com base na experiência da antiga social-democracia alemã, ele morreu antes de poder examiná-la mais profundamente. De qualquer modo, foram necessários mais de 100 anos de lutas anti-coloniais e anti-imperialistas para que experiência idêntica voltasse a repetir-se, num quadro internacional também totalmente diferente.

Portanto, da mesma forma que os socialistas e comunistas das revoluções russa, chinesa e outras, ficaram confusos, dividindo-se entre os que acreditaram poder construir o socialismo sem passar pelas dores do desenvolvimento capitalista, e os que achavam necessária uma aliança de longo prazo com a burguesia nacional para o desenvolvimento das forças produtivas, muitos socialistas brasileiros também estão confusos sobre essas possibilidades.

Alguns chegaram a romper com o PT porque supunham possível realizar reformas democráticas, populares e socialistas com a simples vitória eleitoral para o governo federal. Outros, pelo contrário, acham que Lula e Dilma estão tendo sucesso porque se aliaram ao sistema financeiro e ao latifúndio, o que lhes tem permitido governar com tranqüilidade.

Os que acham ser possível realizar reformas profundas, sem criar uma correlação de forças capaz de colocar a totalidade do aparato de Estado a serviço da maioria do povo, consideram verdadeira traição que os governos Lula e Dilma não tenham seguido aquele caminho. E tomam como demonstração dessa traição justamente as medidas que buscam desenvolver as forças produtivas através de empresas privadas.

Os que acham que, através das alianças com o latifúndio e o sistema financeiro, o PT estaria realizando transformações que sempre desejou, como o desenvolvimento com distribuição de renda, sentem-se realizados com a obtenção do equilíbrio da balança de pagamentos, propiciado pelas exportações do agronegócio, e com o fato do sistema financeiro não estar utilizando seu poder para desarranjar a economia nacional e desequilibrar o governo.

Assim, entre o inesperado e o inusitado, as várias correntes socialistas procuram explicar e enfrentar uma situação que supunham impossível até poucos anos atrás. E, por inesperado e inusitado que possa parecer, talvez tenham que recorrer a Marx e a Engels, mesmo não
gostando dessa idéia. Afinal, quando o economista-chefe do banco suíço UBS descobre que somente estudando O Capital será possível entender os problemas atuais do modo de produção capitalista, isto sugere que os preconceitos socialistas contra o urso alemão não têm muita razão de ser.

Portanto, o abandono desses preconceitos permite justamente analisar e entender a situação concreta do capitalismo da atualidade, algo que tem interferência direta no contexto brasileiro e sul-americano. Depois, proporciona estabelecer estratégias que evitem o radicalismo estéril de um discurso que não leva em conta tal situação, mas não percam de vista o socialismo como necessidade criada pelo próprio desenvolvimento do capital.

Por fim, mas não o último, pode nos ajudar a praticar táticas de alianças com forças inimigas dos trabalhadores, na perspectiva de desenvolver as forças produtivas e a força social dos próprios
trabalhadores, sem jamais perder de vista que tais inimigos não mudaram sua natureza, continuam predadores e, na primeira oportunidade, são capazes de apunhalar pelas costas.