domingo, 6 de novembro de 2011

Sobre a arte e a individualidade de amar, por Mara Emília

Lendo no jornal a decisão revogada da união civil de pessoas do mesmo sexo e ainda os motivos alegados pelo autor da revogação que contraria a decisão do supremo fiquei recitando, como um mantra, um trecho do poema A arte de Amar de Manuel Bandeira “Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não”.

Os corpos se entendem, sim o poeta está certo. E se entendem sozinhos, e se entendem um com outro, e se entendem próximos, e se entendem vazios, e se entendem cheios. E isto não é poesia. É fato.
Colocado de maneira simples e sem determinações que diminuiriam a riqueza de sentidos não se faz necessário o uso de metáforas ou tampouco exemplos para elucidar a conclusão mantrica da poesia: satisfação e plenitude encontramos em Deus, não misturemos, pois, as coisas.

Mas esperem, escrevo sobre a poesia e minto, é verdade que em algum lugar já foi dito que Deus fez morada em nosso corpo. Neste corpo tão primitivo, sem razão... E lemos aproximando os olhos do texto e os ouvidos das batidas do coração que se levanta para bradar: mas é preciso que os corpos se entendam.
Entendimento é diferente de relação, de violência, de doença, de perversidade, de maldade, de abuso, de negligência, intolerância.

Entendimento é compreensão, é respeito. Entendimento é dual. Mas como fazer se a busca pela felicidade passa pela satisfação do corpo, e o amor? Não basta o meu corpo entender que eu preciso de satisfação para ser feliz, tem que ser os dois corpos numa mesma sintonia, num mesmo entendimento é quando o amor acontece, é quando casar se torna sinônimo de entendimento de corpos, e então de felicidade.

Por que se entender com outro não é tarefa simples, casar não é juntar homem e mulher num papel.

Casar é juntar corpos num mesmo entendimento de tentar ser feliz.

O corpo que se entende com outro corpo numa relação homo ou heterossexual, são corpos que se entendem sujeitos de sua felicidade. 

Neste poema sublime não falamos de razão, porque no amor não há razão. Porque a razão impele as pessoas a querer ser aceitas ao invés de aceitar o que o corpo quer.

E o que o corpo quer é tão simples: é sentir a felicidade de amar, num corpo igual ao seu, num corpo diferente, num corpo do mesmo ou diferente sexo.

 O corpo, esse substantivo de gênero sobrecomum, e tão comum não tem razão em si. O corpo sozinho é só um corpo.
Mas o corpo carrega em si a alma, essa alma que se dilacera, que se prende, que se arrepende e que se volta a Deus para perguntar: Porque?
Porque não pode o corpo simplesmente amar? Porque não pode o corpo simplesmente se entregar e se entender em outro corpo?

Porque algumas pessoas não podem deixar o dialogo de Deus com as almas serem individuais? Porque algumas pessoas insistem em ser porta-vozes de Deus? 

Não podem as pessoas perceber que basta de cisões, é por isso que o poeta aponta que a alma estraga o amor: As almas são secretas, escondem nossos desejos, nossas ambições, nossas frustrações, nossos medos, nossas verdades, nossas meias verdades.

Não há como as almas se entenderem, pois almas transparentes só existem na figura de linguagem. Então façamos o que propõe sabiamente o poeta: “Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não”.

Mara Emília é militante do PT e da AE