quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Mulheres feias

Por Hildegard Angel
As redes sociais discutem se é válida a intenção da Secretaria de Políticas de Mulheres de retirar do ar a campanha de lingeries com Gisele Bündchen, considerada discriminatória. No comercial, Gisele só conseguiria ascendência sobre o marido se ficasse seminua, de lingerie. Vestida, jamais!


Mas eu proponho a discussão sobre outro tipo de preconceito, até mais cruel e excludente: aquele contra as Mulheres Feias. Na primeira página de O Globo hoje, a sacada, que, não posso negar, é espirituosa, confrontando a ministra Iriny Lopes, feia, versus Gisele, linda. E ainda a vinheta “certo”, ao lado de Gisele. Implícito fica que a vinheta “errado” estaria no lado oposto, o de Iriny.

O que faz subentender que não é só andar vestida que é “errado”. Ser feia também é. Porém, por uma dessas doces ironias que fazem refletir, são justamente as mulheres feias que neste dia 29 de setembro de 2011 embelezam o noticiário.

Partiu da feia, muito feia, Luiza Erundina, a deputada, a iniciativa brava e linda, muito linda, do projeto (rejeitado) que previa a revisão da Lei da Anistia. Com pertinência, disse a deputada: “A atual lei (a lei em vigor) não se deu em bases de igualdade. Ainda estávamos em plena ditadura”. Ela ainda lembrou que o texto da Comissão da Verdade aprovado “não permitirá apurar tudo, será uma meia Comissão da Verdade”. Afirmação de indiscutível beleza, pois a verdade é sempre bela.

E eu me surpreendo ao ler, na mesma reportagem, que foi o deputado Hugo Napoleão – que em seu passado apolíneo era chamado de “pão” – o autor do parecer contrário a Erundina, corroborado pelo igualmente bonito deputado Alfredo Sirkis, que por sinal defendeu a Comissão da Verdade tal como ela está, com os remendos feiosos que lhe costuraram, e é contra o julgamento de militares que violaram os direitos humanos na Ditadura. Diz o bonitão Sirkis que “os principais responsáveis (leia-se os grandes torturadores) já morreram e os de escalão médio, que estão no anonimato, ficarão expostos às câmeras de TV” (numa alusão à visibilidade que poderia ter outro horroroso belo, Jair Bolsonaro).

Sorte a do Sirkis, que conseguiu sair da ditadura com o rosto intacto e suas cicatrizes se restringiram às de suas lembranças e  às dos personagens de seu lindo livro, Os carbonários, escrito por ele ainda em seus verdes anos de idealismo, fase de beleza resplandecente, quando, em nome de suas convicções, enfrentava corajoso a truculência dos mandantes e seus próprios medos. Como hoje me pareceu feia a beleza desses homens! “Feios, muito feios, medonhos mesmo!” – sapateio minha indignação, esbravejo minha desesperança.

No mesmo jornal e no mesmo hoje, outra mulher pontifica e não é pelos atributos físicos. É pelo destemor, a bravura e a petulância de dizer o que todos sabem: “Há bandidos escondidos atrás de togas”. Não é de hoje que a agora ministra do STJ, Eliana Calmon, irradia sobre o Judiciário a aura de uma Miss Universo. Foi ela, fico sabendo, que assinou as ordens de prisão de todos os investigados na Operação Dominó. Entre eles havia dois juízes e um juiz auxiliar. Que formosura a dela, quando despe a toga do corporativismo em nome da firmeza de seus princípios. Uma Vênus!

Sim, podem fazer trocadilhos, não me importo. Não me importo que também me excluam e me julguem  “errada”. Não me importo com os comentários jocosos, as piadas de mau gosto, não me importo com as acusações. Afinal, quem ama o feio, bonito lhe parece. E há de ter quem leia este texto e acredite serem bonitas as minhas palavras e belos os meus pensamentos. Certamente, as mesmas pessoas que, no confronto certo x errado,  assinalem o “certo” junto às fotos e aos atos de Luiza Erundina, Eliana Calmon e Iriny Lopes.

* Hildegard Angel
é uma das mais respeitadas jornalistas do Rio de Janeiro. Durante mais de 30 anos foi colunista no jornal O Globo, quer cobrindo a sociedade (com seu nome e também com o pseudônimo Perla Sigaud), quer cobrindo comportamento, artes e TV, tendo assinado por mais de uma década a primeira coluna de TV daquele jornal. Nos últimos anos, manteve uma coluna diária no Jornal do Brasil, onde também criou e editou um caderno semanal à sua imagem e semelhança, o Caderno H. Com passagem pelas publicações das grandes editoras brasileiras – Bloch, Três, Abril, Carta, Rio Gráfica – e colaborações também em veículos internacionais, Hildegard talvez seja a colunista social com maior trânsito no país.
Fonte: Blog da Hildegard