quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pela retomada das discussões políticas no PT


 Texto publicado em maio de 2008. 

O PT nasce da necessidade de unificar diversos movimentos sociais e organizações políticas na direção de um projeto de transformação social. Desta forma, uma de suas principais características sempre foi a pluralidade de pensamentos e filosofias buscando encontrar uma síntese de ações, visando não que todos ficassem plenamente satisfeitos, mas que estivessem unidos em prol de um objetivo comum. 
Dentre estas ações propostas para o conjunto do PT, estava a disputa do aparato existente para tentar transformá-lo. Porém, era claro para o conjunto do partido à época desta proposta que apenas o controle do estado existente não seria o suficiente para fazer as transformações sociais almejadas pelo partido. A relação de troca com os movimentos sociais – nunca os tutelando, mas sempre assimilando suas demandas e sugestões de forma crítica – e a formação política de sua militância sempre foram tão importantes quanto a disputa institucional. 
Isto durou até o momento em que uma nova maioria foi formada dentro do partido e decidiu que o objetivo principal do PT deveria ser alcançar a presidência da República. A primeira providência desta maioria foi o afastamento deste grupo do restante das diversas correntes de opiniões existentes no partido. Como havia a maioria numérica, quase todas as decisões passaram a ser apenas comunicadas aos demais, nunca discutidas. Isso faz com que o projeto seja aprovado de forma aparentemente democrática, mas na essência é o projeto de apenas parte do PT. 
A segunda parte desta estratégia – decorrente da primeira – foi esvaziar as instâncias democráticas do partido e a formação política. Como exemplo disso, tivemos 10 Encontros de 1980 a 1995; de 1995 até hoje, tivemos mais três. O que era uma média de um encontro a cada ano e meio, passou a ser um encontro a cada quatro anos. Sendo o Encontro a instância imediatamente inferior ao Congresso, é preocupante esta redução. 
A terceira foi o progressivo abandono do que não fosse diretamente ligado à disputa do poder institucional. A comunicação de mão dupla com os movimentos sociais organizados foi progressivamente abandonada (no caso dos mais autônomos) ou teve utilizada a mesma tática de maioria numérica praticada no partido (no caso dos mais próximos). As atividades de base para formação política foram abandonadas paulatinamente, e, quando feitas, quase sempre se destinavam a apresentar as realizações institucionais de parlamentares ou chefes do Executivo. 
Outro expediente largamente utilizado foi a filiação massiva de pessoas ao PT. Combinada à tática de redução de discussões, cria-se uma perigosíssima combinação: maioria numérica sem formação política. Isto faz com que haja uma fortíssima distorção na democracia, uma vez que o mais importante passa a ser a quantidade de votos que tem uma proposta, e não a qualidade das diversas opiniões que serão discutidas. 
À medida que esta tática foi sendo implementada, o PT passa a ocupar mais espaço institucional – natural, uma vez que este passa a ser o seu principal objetivo. Este maior espaço ocupado passa a atrair mais militantes para o partido, atraídos pelos cargos obtidos com estes espaços abertos; em conjunção com a falta de formação, cria-se mais um problema perigoso: o filiado que vincula a sua sobrevivência à militância política. Isto significa que sua opinião se vincula a seu emprego, empobrecendo ainda mais o debate político interno, uma vez que a necessidade primeira das pessoas é manter sua sobrevivência. 
Com esta explosiva combinação – eleitoralismo, esvaziamento das instâncias, filiações em massa, dependência financeira da institucionalidade – foi criado um perigoso círculo vicioso. Alguns militantes se afastaram, outros aderiram à nova forma com que girava a roda e outros – poucos – faziam com que esta continuasse a funcionar. Desta forma, os pensamentos minoritários no PT tinham poucas alternativas. Ou entravam na nova realidade, ou permaneciam no PT tal qual o grilo falante dos contos de fada. Havia ainda a terceira possibilidade, que era sair do partido. 
Este perigoso modus operandi criou um outro tipo de filiado: o mercenário. Uma vez que o mote do PT passa a ser o eleitoralismo e a disputa pela disputa, com fraco conteúdo político, este campo majoritário passa a sofrer algumas cisões. Analisando-as, fica fácil entender por que: como a política passa a ser esvaziada, as disputas são apenas espaços para ter poder. Este poder é necessário para a ocupação de mais espaços institucionais, que é utilizado para ter mais poder, utilizado para ocupar mais espaços institucionais etc. Assim, o que poderia ser uma disputa política saudável vira uma guerra de vaidades, caminhando cada vez mais para a personalização. Neste cenário, em que as maiorias foram todas criadas com deficiências políticas e com relações cada vez menos ligadas a divergências ideológicas e mais ligadas a "afinidades" pessoais, acaba-se com fissuras no interior das maiorias construídas apenas com base numérica. Como a discussão política é secundária, as maiorias são formadas de todas as formas possíveis. Desta maneira, uma categoria de filiados começa a por seu "passe" à venda, aderindo ao projeto político que "paga" mais,ou seja, que lhe oferece mais vantagens. 
Os problemas decorrentes deste tipo de estratégia são infindáveis. O pior deles é a perda de identidade do partido. Não há como compreender algumas alianças feitas pelo PT nas mais diversas partes do Brasil. A justificativa dada para elas é fraca politicamente, mas altamente compreensível dentro da tática escolhida – embora não seja minimamente aceitável (ou não devesse ser): a permanência dentro do aparato estatal. Paradoxalmente, a presença do PT neste aparelho se deu fundamentalmente pelo partido ser diferente dos outros. Contudo, ao se integrar nele, tem ficado cada vez mais parecido com os partidos que diz se diferenciar. E, por isso, acaba por perder grande parte daqueles que optaram pelo PT por buscar ser diferente. 
Outro problema grave: a desunião interna. O fato da política ser feita apenas tendo por base uma maioria, construída com pouca ou nenhuma discussão ideológica, filosófica, estratégica ou tática, faz com que tenhamos diversas "frentes" dentro do partido, transformando suas instâncias internas tão somente em aferição do tamanho de cada força. Isto faz com que a unidade de ação esteja cada vez mais comprometida. Como se unir a algo que não foi minimamente discutido? Além disso, a necessidade de se criar maiorias numéricas a qualquer custo cada vez mais afasta as opiniões entre as forças, seja pela discussão pobre feita entre elas, sempre baseada em espaços cedidos ou ganhos, seja pelo simples fato do movimento de uma ser feito com o intuito de derrotar a outra. 
Desta forma, o PT vai deixando de ser um partido e se torna apenas mais uma legenda. Para se ter uma idéia do tamanho do esvaziamento das instâncias, alguns dirigentes dizem, em alto e bom som, que "encontro do PT não tem que ter discussão: tem que ter festa, pois o militante gosta é de festa". Não que esta não seja importante – afinal, uma das características do PT sempre foi a alegria de sua militância. Contudo, um Encontro, como instância imediatamente inferior ao Congresso, deve ser marcado pela discussão política, pois decide fundamentalmente as ações que devem ser tomadas pelo conjunto do partido. 
Se as discussões políticas não forem urgentemente retomadas, não há como cobrar unidade de ação do partido. Não com maiorias construídas de forma despolitizada. Sem tratar o partido de fato como um, e não como uma frente de tendências ou um movimento social, além do afastamento ideológico entre os diversos pensamentos existentes dentro dele – organizados ou não – teremos cada vez mais atuações dispersas nos diversos espaços, sejam eles institucionais ou não. Teremos, então, a morte do PT como alternativa de transformação social. Aqueles que acreditam na necessidade de um partido para tal passariam, então, a ter que iniciar do zero a construção de uma alternativa em um momento muito menos fértil do que o da fundação do PT, em 1980. 
Resta saber qual será o caminho escolhido por seus militantes. 
Eduardo Nunes Loureiro
PT – Goiânia – Goiás