Os reacionários temem que as mobilizações provoquem uma guinada a esquerda no PT |
Esperava que o PT tivesse apoiado e conclamado sua militância, seus dirigentes e seus parlamentares a irem para as ruas desde o dia seguinte ao primeiro dia das manifestações. Como novos atos virão, nunca é tarde para que o partido retome seu antigo espírito de luta e mostre a que veio. Afinal, como temem alguns, o movimento que está nas ruas pode provocar uma reciclagem do PT pela esquerda
É verdade que grande parte da militância se incorporou às manifestações. Muitas direções setoriais, municipais e nacionais manifestaram-se em apoio. Mas a direção nacional do PT manteve-se em silêncio até poucos dias e se manifestou tardia e timidamente. (ver Nota do PT sobre o transporte público)
Assim, transcrevo o que esperava que o PT tivesse dito desde o primeiro dia ao povo brasileiro.
“O PT saúda os milhares de brasileiros que saíram as ruas para demonstrar sua insatisfação contra os aumentos das tarifas de transportes públicos, contra o aumento desmesurado dos alimentos e dos bens de consumo, contra a demora nos investimentos em educação, saúde, saneamento, moradia e outras áreas fundamentais, contra a corrupção e contra a discriminação antidemocráticas de governos que não consideram legítimas as manifestações públicas. O PT se coloca veementemente contra a repressão policial aos manifestantes e responsabiliza essa repressão pelos atos de vandalismo ocorridos durante ou após as manifestações populares.
O PT nasceu, entre os anos 1970 e 1980, como resultado de manifestações populares contra o aumento do custo de vida, a contenção dos salários e o regime ditatorial militar. O PT cresceu com seus militantes participando ativamente nas grandes manifestações populares pelas eleições diretas para a Presidência da República, pela anistia política e pela democratização do país. Sua participação nas eleições locais e presidenciais sempre foi marcada por grandes manifestações populares, em alguns casos reunindo mais de um milhão de pessoas.
Durante os anos 1990, o PT foi muitas vezes às ruas para lutar contra os descalabros promovidos pelos governos neoliberais. Lutou contra a privatização dos serviços públicos e das empresas estatais. Lutou contra as políticas que levaram à falência grande número de empresas nacionais. Lutou contra a monopolização da economia brasileira por grandes empresas multinacionais. Batalhou contra o desemprego, a pobreza e a miséria. E se empenhou na luta contra a corrupção e pela melhoria da educação, da saúde e das condições de vida do povo.
Portanto, o PT sempre participou das lutas e manifestações populares, considerando-as um direito democrático básico. E foi essa persistência que fez o PT contribuir decisivamente para a eleição de Lula, em 2002 e 2006, e de Dilma, em 2010. Nos últimos dez anos, o PT se esforçou para que o governo melhorasse as condições de emprego e de vida do povo. Não é o momento de enumerar o número de desempregados que voltaram a ter emprego, de miseráveis que passaram a ter condições de ter duas ou três refeições por dia e colocar os filhos na escola, nem os esforços realizados para o Brasil voltar a crescer, erradicar a corrupção da sociedade brasileira e melhorar a educação, a saúde e a moradia. O momento é de reconhecer que o PT, apesar de todos os seus esforços, não conseguiu manter seus laços estreitos com as grandes camadas da população brasileira e continuar medindo, como deveria, as ansiedades e as insatisfações dessas camadas, para atendê-las como razão de sua própria existência.
Com isso, não conseguiu avaliar como deveria as causas da subida dos preços de alimentos, bens de consumo e transportes públicos. Não pressionou o governo federal, como deveria, a dar mais atenção à agricultura familiar, para aumentar a produção de alimentos e baratear seus preços. Não pressionou os diversos níveis de governo a darem mais atenção aos investimentos em infraestrutura geral e urbana, e ao crescimento das indústrias de bens de consumo, com o mesmo objetivo de atender ao aumento do poder de compra e rebaixar os preços. E deu pouca atenção ao descalabro dos transportes urbanos e intermunicipais, herdado da quebradeira neoliberal, que transformou esse setor numa área de desatenção completa aos usuários e lucros exorbitantes dos empresários.
O PT reconhece seu pouco empenho em pressionar o governo a adotar uma política que desse menos estímulo à indústria automobilística de transporte individual. Este satura ainda mais as vias urbanas e piora a poluição e a mobilidade das pessoas. Deveria ter lutado com mais vigor para o governo investir pesadamente na ampliação da oferta de transporte coletivo. Isto teria melhorado a mobilidade urbana e reduzido as tarifas do transporte, o que reduziria as despesas com combustível e as pressões inflacionárias.
O PT acredita que estão errados os que pensam que o aumento de R$ 0,20 nos transportes públicos é uma questão de menor importância. O transporte público deficiente e caro sacrifica milhões de pessoas. Esse sacrifício se torna ainda maior com os engarrafamentos que entopem as estradas, avenidas e ruas e transformam a locomoção de cada dia num purgatório ou inferno. Por isso, apela a todos os governadores e prefeitos eleitos pelo PT a revogarem imediatamente a elevação das tarifas de transportes, no caso de as terem aumentado, e a ordenarem aos órgãos de segurança não reprimirem as manifestações. Ao mesmo tempo, conclama a todos os seus senadores, deputados federais e estaduais, e vereadores a se juntarem às manifestações populares e exercerem seus mandatos para impedir atos de violência policial contra os manifestantes.
Além disso, no caso específico dos transportes públicos, o PT exige de seus militantes em cargos públicos que examinam detidamente as planilhas de custos e lucros das empresas concessionárias, privadas e públicas. As manifestações populares contra o último aumento devem servir de lição. Esse serviço público não pode ser fonte de altos lucros à custa dos parcos recursos da população usuária e precisa deixar de ser indexado aos índices de inflação, o que vale para todos os estados e prefeituras do país.
O PT, desde já, se compromete a apoiar e participar da continuidade da luta popular pela redução das tarifas, pelo passo livre, e pela prioridade dos investimentos em áreas que são essenciais para melhorar o padrão de vida da população. Saneamento básico, educação, saúde, segurança, infraestrutura de transportes, e indústrias que aumentem os empregos são essenciais para transformar o atual padrão de vida doo país. O PT também se compromete a lutar ainda com mais tenacidade contra a corrupção, venha ela de onde vier.
Por tudo isso, apela aos manifestantes de agora, e aos que se incorporarem nos dias seguintes, que incluam em suas demandas as reformas políticas que impeçam a corrupção do dinheiro privado nas eleições e que imponham a fidelidade partidária. Que levantem alto a bandeira do fim dos monopólios, inclusive nas telecomunicações. E que exijam a queda dos juros e a taxação ou proibição da especulação financeira, como condição básica para impedir a inflação e aumentar os investimentos. De qualquer modo, com suas bandeiras vermelhas, ou sem elas, os petistas estarão corpo-a-corpo com os manifestantes de todo o Brasil”.
Era isso que esperava ter lido desde o dia seguinte ao primeiro dia das manifestações. Como novas manifestações virão, nunca é tarde para que o PT retome seu antigo espírito de luta e mostre a que veio. Afinal, como teme o ultrarreacionário Reinaldo Azevedo, os liberais de miolo mole deveriam colocar o burro na sombra porque o movimento que está nas ruas provocará uma reciclagem do PT pela esquerda. Para ele, isso é um perigo que poderá tornar o resultado das urnas ainda mais inóspito para a democracia deles, onde o povo não tem voz.
*Wladimir Pomar é jornalista, escritor e analista político. É também militante do PT e foi um dos Coordenadores da Campanha "Frente Brasil Popular - Lula Presidente" em 1989.