terça-feira, 24 de abril de 2012

“China ultrapassará EUA até 2020” - Entrevista de Valter Pomar ao Jornal Opção (Goiás)

Historiador e dirigente nacional do PT diz que Lula não volta em 2014, quer que a Comissão da Verdade puna torturadores e traz revelações sobre a Chacina da Lapa , ocorrida em 1976
Renato Dias
Especial para o Jornal Opção
24 de março de 2014


A crise econômica que atingiu os EUA e contaminou a Europa já chegou ao Brasil, informa ao Jornal Opção o doutor em História e secretário-executivo do Foro de São Paulo, Valter Pomar (SP). Segundo ele, o que há é um esgotamento do modelo neoliberal e uma crise cíclica do capitalismo. Pomar avalia que a China poderá ultrapassar os EUA até o ano de 2020 e se tornar a maior potência econômica mundial. O historiador não acredita que o vendaval da economia mundial, os escândalos de corrupção na Esplanada dos Ministérios e a rebelião da base aliada ameacem a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). Mais: aposta que Luiz Inácio Lula da Silva não retornará em 2014. Ele diz querer que a Comissão da Verdade puna acusados de violar os direitos humanos à época da ditadura civil e militar (1964-1985), traz revelações sobre a Chacina da Lapa (1976) e lembra que Pedro Pomar, morto em 1976, apontou que a guerrilha do Araguaia (1972-1975), organizada pelo PCdoB, com inspiração maoísta, ocorrida no Norte de Goiás (atual Tocantins) e Sul do Pará, foi um erro estratégico. Aos 46 anos de idade, anuncia a realização de mais uma edição do Foro de São Paulo, lembra que as Farc (da Colômbia) não integram a instância e analisa que existe possibilidade real de a guerrilha colombiana depor as armas, celebrar armistício e integrar-se à vida política institucional do País.
A crise iniciada nos EUA em 2008 e que afetou a Europa em 2012 pode atingir o Brasil?
A crise já atingiu. Ela afeta a capacidade de compra dos EUA e da Europa. Com isso, eles compram menos produtos brasileiros. Os EUA para atacarem a crise imprimem dólar, para baratear as suas exportações.  O que faz com que entrem mais produtos dos EUA aqui. O Brasil tem mais dificuldade para vender lá fora seus produtos porque eles passam a ficar mais caro em dólar. Mais: empresas brasileiras começam a tomar empréstimos lá fora, já que os juros estão muito baixos e muitas empresas estrangeiras que operam no Brasil ampliam as suas remessas de lucros para fora, para compensar os prejuízos que as matrizes estão tomando. A crise já bateu no Brasil. Mas como Lula e Dilma adotaram medidas de proteção da economia brasileira ela não pegou com tanta intensidade. A tendência é de EUA e Europa tentarem descarregar a crise nas costas das periferias do mundo e, inclusive, nas costas do Brasil.
O que motivou a crise na Europa?
Nas décadas de 50, 60 e 70, eles tinham economias poderosas, com elevado grau de industrialização. Com o Estado do Bem-Estar Social consolidado, muito forte. Ao longo dos anos, a taxa de crescimento acabou diminuindo. Cada vez mais. Com Margareth Thatcher (1979-1991), eles descobriram a fórmula mágica neoliberal: reduziram o Estado do Bem-Estar Social, hipertrofiaram o poder do setor financeiro, expandiram empresas para o resto do mundo. O resultado, num primeiro momento, foi positivo. Depois, esse crescimento fundado no endividamento, no setor financeiro e na desregulamentação, esse modelo entrou em crise e mostrou seu lado perverso. Os países mais pobres são os primeiros a quebrar. Os governos conservadores jogam a crise nas costas dos trabalhadores. Cortam salários, destroem conquistas. A Grécia está, por exemplo, à beira da explosão social.
A crise é do modelo econômico ou do modo de produção capitalista?
As duas coisas. O capitalismo que existe no mundo desde os anos 70 é neoliberal. Com o setor financeiro dominante, liberdade total dos capitais e com um peso reduzido da intervenção do Estado na área social. O circuito não fecha. Com baixos salários não há consumo dos produtos. Esse modelo está em crise. Por isso, a crise é tão profunda.
Até quando a China continuará sendo o motor da economia mundial?
A China ultrapassará o PIB dos EUA até 2020, 2025. Isso começou com o acordo entre Mao-Tsé-Tung e Nixon, há 40 anos. De 1972. Desde que seja mantido o ritmo de crescimento atual. Graças a esse acordo, a China recebeu investimentos externos que ela colocou em zonas protegidas. Nos anos 80 houve mudanças na economia, com abertura seletiva e controlada para o capital estrangeiro. Há 30 anos a China cresce a uma média de até 11% ao ano. A tendência é de que a China continue sendo a fábrica do mundo. Mas os EUA ameaçam reagir: com armas e dólares.
Cuba tende a adotar o modelo chinês: economia de mercado, abertura ao capital estrangeiro e monopólio do poder político pelo PC?
Eles dizem que não. Os comunistas de Cuba e do Vietnan dizem que os seus respectivos modelos têm diferenças importantes em relação ao modelo chinês. Mas a inspiração é a mesma.  A de que nessa etapa de construção do socialismo é necessário  contar em algum nível com as empresas privadas e com cooperativas de trabalhadores. O Estado deveria controlar o que é geral.
Fernando Haddad ameaça a hegemonia do PSDB em São Paulo?
Espero que sim. O PT administra o Brasil desde 2003 e obteve indicadores econômicos e sociais relevantes: redução da pobreza, ampliação da classe média, participação da renda na riqueza nacional. Mas em São Paulo essas alterações acontecem num patamar inferior ao restante do Brasil.
A crise econômica mundial, os escândalos de corrupção na Esplanada dos Ministérios e a rebelião da base aliada ameaçam o projeto de reeleição de Dilma Rousseff?
Não. Esse quadro é muito complexo. Primeiro, uma situação internacional que exige medidas extraordinárias. Medidas de proteção do câmbio, de fortalecimento da indústria nacional, que o governo federal tomará, que criará problemas com a base, em um ano de eleições municipais. Não vejo que esses fatores chegarão a atrapalhar a popularidade de Dilma, Lula e de aprovação do PT
Lula volta em 2014?
Nenhuma chance. Lula será o primeiro cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Ela será a candidata do PT em 2014. 
A Comissão da Verdade deveria punir torturadores?
Acredito que sim. Mas a lei é controversa. A Anistia de 1979 era de uma anistia recíproca. O problema é de que essa versão, pelo Direito Internacional, hoje, é de que tortura é crime imprescritível e que desaparecimento forçado é crime de sequestro continuado. As leis de anistia não cobrem crime continuado. A Comissão da Verdade poderá fornecer elementos para o julgamento e condenação dos acusados de violações dos direitos humanos à época da ditadura civil e militar no Brasil.
Qual sua leitura sobre a atual inquietação nos quartéis?
Indecente.
Há algo a ser revelado na Chacina da Lapa?
Duas informações fundamentais já foram reveladas: a de como a casa onde ocorria a reunião do comitê central do PC do B, em dezembro de 1976, foi descoberta: um militante, Jover Telles, teria sido preso e informou à repressão do local e data do encontro. Quando o Exército cerca a casa, em dezembro de 1976, eles esperam a saída de algumas pessoas e quando imaginavam que estavam na casa apenas os sobreviventes da guerrilha do Araguaia — Ângelo Arroyo, Pedro Pomar, João Amazonas — eles a invadem para matar. É preciso dizer que um dos presos, João Batista Drummond, foi morto sob tortura. A sua fuga e morte por atropelamento foi um farsa que precisa ser desmascarada. É preciso encontrar essa documentação. Mesmo que a Comissão da Verdade não resulte em punição é preciso que a verdade venha à tona.
Qual a posição de Pedro Pomar sobre a guerrilha do Araguaia?
Pedro Pomar tinha uma posição, que ficou relatada em documento apresentado ao Comitê Central do PCdoB, que considerava a guerrilha do Araguaia um erro do ponto de vista estratégico. Primeiro porque a guerrilha do Araguaia não foi uma guerra popular prolongada, não era como os chineses tinham feito, mas um foco. Essa experiência cometeu um equívoco, em um país de maioria urbana, sem apoio de massas, no campo, onde a classe operária tinha um peso significativo. Ele tinha uma posição muito crítica. Ele disse isso em 1976, dois anos antes das greves do ABC, que acelerou o fim da ditadura militar. Mas acabou prevalecendo no partido uma posição distinta defendida por João Amazonas, que à época estava fora do Brasil.
Qual o destino do Foro de São Paulo?
Criado por iniciativa de Lula e de Fidel Castro, pelo PT e pelo PC Cubano, o Foro de São Paulo nasceu em 1990. Com a participação de partidos de esquerda, socialistas, comunistas, nacionalistas... Um leque ideológico variado. Já está em sua 18ª edição. Em seu 23º ano. Ele possui uma estrutura simples, enxuta: grupo de trabalho formado por 32 pessoas, de 16 partidos políticos. Ele funciona com uma secretaria-executiva. O Foro de São Paulo encarregou o PT de gerenciar a secretaria-executiva. Desde 2005 o PT me indicou. O próximo encontro ocorrerá dias 4, 5 e 6 de julho, em Caracas, Venezuela.

As Farc integram o Foro de São Paulo?
As Farc não fazem parte do Foro de São Paulo. Da Colômbia, quem o integra é o Polo Demo­crático Alternativo.
Há possibilidade de celebração do fim da guerrilha e de assinatura de um acordo de paz na Colômbia?
Nós trabalhamos por isso. Por uma paz justa, negociada, na Colômbia. A reintegração da guerrilha à vida política e social. Com reformas estruturais no País. Para acabar com as desigualdades econômicas e sociais. A guerrilha emitiu um sinal de que está disposta a negociar uma posição de paz. Agora, para a ultradireita colombiana é útil, interessante, para receber apoio, financiamentos norte-americanos. Agora, que mais morre na Colômbia é sindicalista.