quinta-feira, 21 de abril de 2011

"Reorganização do movimento estudantil”: Que papel essa ideia tem na prática cumprido?





“Reorganização do movimento estudantil”:
Que papel essa ideia tem na prática cumprido?

            Como se sabe, com a vitória eleitoral de Lula em 2002, os movimentos sociais, as centrais sindicais e os partidos de esquerda reorientaram suas táticas em função da nova conjuntura. Desde então, o cenário na esquerda tem sido polarizado entre táticas antagônicas.

            Essa polarização atingiu de imediato o movimento estudantil. E foi justamente nesse contexto de forte polarização sectária que surgiu, pela iniciativa de alguns, a ideia de que havia ou deveria haver uma “reorganização” do movimento estudantil.

            Essa ideia surge em meio ao fortalecimento da crença, compartilhada por algumas organizações, de que a tarefa central do momento seria criar uma nova referência nacional de luta para o ME, visível para o conjunto dos estudantes brasileiros, capaz de se impor como uma alternativa à UNE. 

            Por isso é que as propostas de “reorganização” do ME sempre se materializam na base da criação de fóruns, frentes e todo tipo de articulações nacionais que supostamente pudessem ocupar o lugar que a UNE ocupa. As condições para a realização dessa empresa estariam dadas. 

            Apesar de já se terem passado cerca de seis anos da criação da Conlute (que antecedeu a ANEL) e de, nesse meio tempo, terem sido diversas as tentativas frustradas de “reorganizar” o movimento estudantil, essa ideia ainda faz a cabeça de algumas pessoas. Por quê?

            Porque ainda há aqueles que partem do pressuposto de que os problemas do ME são, em última instância, um problema de direção: para essas pessoas, com o advento do governo Lula e a “capitulação” da UNE diante do governo, a UNE se firmou definitivamente como um “entrave” ou um “freio” para as lutas. O “novo” movimento estudantil – que não capitulou ao governo – estaria pronto para nascer. Para tanto, bastaria apenas derrubar o “entrave”, o que na prática significa criar uma nova referência nacional alternativa à UNE e contra a UNE. 

            Quem lê a realidade de forma romantizada dirá que este pressuposto é verdadeiro. No entanto, se assim o fosse, a tática das organizações que levantam a bandeira da “reorganização” do ME estaria correta e o tempo teria lhe dado razão, coisa que não aconteceu. Por quê? Porque este pressuposto é falso.

            Se procurarmos ver a realidade sem idealizá-la, e buscar nela quais são os reais problemas do ME, o que veremos? Salvo exceções, e mesmo assim localizadas no tempo e no espaço, veremos um ME profundamente fragmentado, consumido por disputas internas e fratricidas, profundamente institucionalizado, alheio aos problemas do povo, quase que totalmente voltado para demandas corporativas – quando não conservadoras – e, o mais grave, sem base real, ou seja, bastante distante das massas estudantis. 

            Essa é a realidade mesmo naquelas experiências pontuais em que o movimento mostra-se mais combativo e eventualmente arranca vitórias: após explosões em que a massa se levanta e se coloca em luta, o que em geral tem se sucedido é um rápido descenso. 

            Diante desse quadro, cabe questionar: se a ideia de que a tarefa central é “reorganizar” o ME fosse verdadeira, o que deveríamos ter visto onde essa ideia ganhou força, ou seja, onde as chapas partidárias da “reorganização” do ME venceram? 

            Se essa ideia fosse verdadeira, nestes casos o movimento deveria ter enfrentado seus reais problemas: deveria ter ampliado a sua base e ter se massificado, ter ganho maior coesão, ter se organizado melhor, ter se tornado mais democrático, ter formado mais e melhores militantes, ter estabelecido laços reais com as organizações da classe trabalhadora... em suma, deveria ter enfrentado estes e inúmeros outros desafios reais. Ou ao menos ter se aproximado disso. No entanto, não foi isso o que aconteceu. 

            O que de fato aconteceu? 

            São inúmeros os relatos de militantes independentes que participaram dos espaços nacionais pautados pela ideia de “reorganização” do ME e que dão conta de provar que, enquanto no discurso se fala do “novo movimento estudantil”, a prática é igual ou pior às piores práticas que se conhece do “velho” ME. 

            Mais do que os relatos de quem esteve lá, o critério para saber se essa ideia contribui ou não com o ME é, sobretudo, que diferença ela tem feito na prática em cada universidade e Executiva de Curso onde tem sido pautada. O que tem ocorrido é que, em geral, onde essa ideia surge, os problemas reais são esquecidos – como se não existissem! 

            Quantos congressos e encontros de DCEs, CAs e Executivas de Curso deixaram de discutir seus problemas reais e como enfrentá-los porque a polêmica sobre rompimento ou não com a UNE e filiação ou não a essa ou àquela articulação nacional monopolizou o debate?

            E o que efetivamente fizeram os partidários da “reorganização” do ME quando estiveram à frente dos DCE's e CA's? Quantas questões realmente importantes foram secundarizadas, quando não esquecidas totalmente, porque essa questão monopolizou sua atuação? 

            Portanto, a ideologia da “reorganização” do ME tem na prática cumprido o papel de desviar o ME daquela que verdadeiramente é a sua tarefa central: acumular forças para a revolução brasileira, enfrentando um conjunto de desafios, a começar pelo trabalho de base, massificando as lutas e formando politicamente uma nova geração de militantes para a luta social.

            Na prática, essa ideologia representa uma fuga dos verdadeiros desafios que se deve enfrentar, pois ela mascara os problemas reais do ME e, em seu lugar, apresenta uma realidade romantizada e idealizada, como se o “novo” ME estivesse pronto para nascer, esperando apenas a criação de uma alternativa à “direção nacional pelega e burocratizada”, quando a realidade é bem diferente disso.

            Ora, ao fazer a apologia da “reorganização” do ME como a tarefa central, o que se faz é contribuir para que o ME finja que os problemas reais não existem e fuja deles. Ao fazer isso, essa ideologia na prática contribui com a perpetuação e o aprofundamento destes problemas. Portanto, fazer a apologia dessa ideia é, na prática, prestar um grande desserviço ao ME.

            Ora, cabe indagar: se é assim, por que motivo se insiste nessa ideia?

            Os partidos e forças políticas em geral podem contribuir e muito com o ME. Mas, infelizmente, para alguns partidos, o ME é encarado apenas como celeiro de militantes, e a única coisa que importa é a autoconstrução.  

            No fundo, essa é a divergência real: certas organizações colocam a sua autoconstrução acima de tudo, e não conseguem enxergar nestes desafios – trabalho de base, formação política, democracia interna etc – algo de útil, pois nada disso faz diferença quando o único e exclusivo objetivo é a autoconstrução. Aliás, para estes, o desvio está justamente em não subordinar os reais desafios do ME à autoconstrução!

            Daí sua incoerência, que chega a ser patética: elegem a direção majoritária da UNE como inimiga, fazem a propaganda da “reorganização” do ME para combatê-la, mas, no final das contas, naquilo que realmente importa – ou seja, na prática – comportam-se da mesma forma que a direção majoritária da UNE: tudo em função da autoconstrução.

            O que devemos fazer e como devemos nos portar diante dessa ideologia? 

            Os motivos pelos quais os problemas do ME existem e persistem são muitos e complexos, e nem de longe se resumem a um problema de direção. Aliás, se o central fosse a direção, estes problemas já teriam sido resolvidos há muito tempo. A direção é parte do problema, mas não é o problema todo nem tampouco é o aspecto principal do problema.

            O ponto então é que não é a criação de articulações nacionais – seja uma entidade, seja outra coisa – que vai dar conta de enfrentar este conjunto de problemas. Para dar conta de seus inúmeros problemas, não há atalho: o ME precisa enfrentar inúmeros desafios, sendo o principal deles o trabalho de base. Não aquele “trabalho de base” voltado única e exclusivamente para a autoconstrução do partido. Mas o trabalho de base que fortalece o movimento, que ajuda a base a ser sujeito ativo do movimento. É no desprezo por este trabalho de base que está a raiz de todos os problemas que o movimento estudantil enfrenta. 

            Dito isso, devemos ter claro que não é papel nosso combater as organizações que fazem a propaganda da “reorganização” do ME, nem as estruturas por eles criadas, seja a ANEL, sejam outras estruturas. Estes não são nossos inimigos. Elegê-los como tal seria um erro grosseiro. Para fazer diferença na luta de classes, toda a nossa energia deve ser direcionada a combater nossos verdadeiros inimigos: a burguesia e a direita, bem como os valores e as relações do capital e do patriarcado. 

            Ao mesmo tempo, se não devemos combater os agentes desse discurso – pois fazê-lo seria um total desperdício de energia –, temos o dever combater as ideias que estão na base desse discurso. Isso porque a ideologia da “reorganização” do movimento estudantil tem implicações práticas: quem compra esse discurso deixa de dedicar sua militância para o trabalho de base e vai dedicá-la a uma construção que na prática só contribui para manter a aprofundar o estado de letargia do movimento estudantil. 

            Para que faça alguma diferença na luta de classes, dentro e fora da universidade, o ME precisa ter força, e o ME só terá força se enfrentar todo um conjunto de desafios, forjando-se ele próprio como sujeito de transformações. Neste momento histórico de descenso das lutas de massas, hegemonia do capital na sociedade e fragmentação da esquerda, devemos mais do que nunca investir no trabalho de base, para ajudar a classe trabalhadora a se preparar para os embates que virão.

            Para tanto, o ME precisa ser visto como sujeito pelas forças políticas que atuam nele. Enquanto houver forças políticas com comportamento sanguessuga, preocupadas única e exclusivamente com sua autoconstrução e em mais nada, o ME continuará fraco, só acumulará derrotas e, o que é pior, não contribuirá com o reascenso das lutas de massas e não estará preparado para intervir de forma decisiva quando este momento chegar.

Paulo Henrique “PH” – Militante da Consulta Popular


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