quinta-feira, 17 de maio de 2012

Investigar “outro lado” na ditadura: seria igualar nazistas à Resistência Francesa

Por Rodrigo Viana
 
Raymond Aubrac morreu no mês passado. Tinha 97 anos, viúvo. Na França, era tratado como herói. Lutou de armas na mão contra os nazistas e contra os franceses colaboracionistas, que aceitaram manter um regime fantoche em apoio a Hitler.


Aubrac e a mulher, morta há uma década, foram líderes da Resistência Francesa. Se morassem no Brasil, parte dos comentaristas e colunistas da direita brazuca certamente diria que eles tinham sido ”terroristas”. Sim, Aubrac lançou bombas, deu tiros. Foi preso, escapou milagrosamente dos nazistas. Tinha inimigos. E lutou. E não deixou de lutar. Depois da Guerra, tornou-se amigo de Ho-Chi-Min. E na última campanha eleitoral francesa, chegou a declarar apoio a Hollande, do Partido Socialista. Ele tinha um lado.

Um homem precisa ser “neutro” pra lutar por Justiça? Tolice. Mais que tolice. Argumento falacioso a proteger criminosos de guerra. Seja na Europa ou na América do Sul. Aqui,  às vezes cola. Lá, não cola…
No Brasil, Aubrac e a mulher talvez fossem chamados de “petralhas”. Mais que isso. Talvez aparecesse um ex-ministro tucano dizendo que “os dois lados” precisam ser investigados. Sim! Não é justo julgar (ou relatar os crimes, que seja) apenas dos pobres nazistas. E as “vítimas inocentes” do “outro lado”? Essa Resistência Francesa era “criminosa”…

Aubrac seria exercrado, ofendido. Pela internet, circulariam e-mails idiotas chamando o sujeito de “terrorista”, talvez achassem uma foto dele com  fuzil pra dizer: olha só, o “outro lado” era adepto da força bruta, não era bonzinho, também precisa ser investigado…

Isso me lembra o título daquele livro: “Falta Alguém em Nuremberg!” Sim, para a direita brasileira (e os apavorados que se acham de esquerda e têm medo de enfrentá-la) seria preciso enviar a Resistência Francesa a julgamento! Afinal, a Resistência pegou em armas, cometeu “crimes”.

No Brasil, por hora, nem se fala em julgamento. Mas numa simples Comissão a relatar os crimes cometidos por agentes do Estado. Crimes contra a Humanidade. Não se fala em execrar soldados, sargentos ou oficiais que, eventualmente, tenham matado guerrilheiros em combate. Da mesma forma, nunca ninguém se atreveu a “condenar” soldados alemães que lutaram nas trincheiras ou nas ruas.

O que se pretende é relatar crimes de tortura, desaparecimento, assassinatos cometidos a sangue frio… Ah, mas estávamos numa “guerra”, dizem militares brasileiros (secundados por civis perversos, e até por gente de boa fé mas desinformada)  que atacam a Comissão. Há controvérsias se aquilo que ocorreu no Brasil foi uma “guerra”…

De todo jeito, na Europa houve “guerra”. Pra valer. Nem por isso, crimes contra a Humanidade deixaram de ser julgados. Nazistas e seus colaboradores que torturaram, assassinaram e incineraram gente indefesa foram a julgamento. A Resistência Francesa não foi a julgamento. Nem irá.

O resto é invenção do conservadorismo mais matreiro do mundo, porque dissimulado: o conservadorismo brasileiro. Nesse debate sobre a Comissão da Verdade, é preciso derrotá-lo. Com inteligência, moderação.

Mas com firmeza.

Fonte: Blog Rodrigo Viana