Em plena campanha eleitoral presidencial francesa, o meu filho de 9 anos perguntou-me o que é um partido de esquerda e de direita. E eis que me vejo na situação de reconhecer que as questões mais simples são as mais difíceis de responder; ou, como dizia o meu pai: “sei até que me perguntem...”.
Provavelmente o questionamento do meu filho vem do fato que os candidatos que lideram a campanha atual, e que provavelmente se confrontarão em um segundo turno, não deixam claro de quais famílias políticas são oriundos; ou seja da direita, o UMP, e o outro da esquerda, o PS.
Partindo desta premissa, me remeto ao passado próximo do Brasil e devo reconhecer que se o Lula não tivesse ousado assumir-se de esquerda, de demarcar-se dos demais, provavelmente o povo brasileiro não teria confiado nele e não teríamos conhecido as mudanças radicais que o pais viveu nestes últimos anos.
E, portanto, na França existe outra opção.E não precisa estar vivendo como se fosse refém de um sistema bipartidário. Esta opção se apresenta incorporada no Front de Gauche, com a figura de Jean Luc Melenchon. E, se críticas podem existir quanto ao seu programa, não se pode criticá-lo por aspirar mudanças, por ousar não submeter-se cegamente ao mundo das finanças. Por aqui, o principal argumento dos candidatos é o de que devido a crise, pouco pode ser feito. Melenchon é um dos poucos ( junto com o NPA e LO) que não recorre a esse chavão confortável.
E eis que Melenchon subiu ao terceiro lugar nas pesquisas de opinião, provando que o fervor que ele suscitou no último comício dia 18 de março é o resultado de que, ao contrário do que se alardeava, a população francesa segue se interessando pela política. A passeata começou na Praça da Nação e foi até Bastille. E reuniu cerca 100 mil pessoas. Sem contar que segue crescendo nas pesquisas de opinião (14% de intençao de votos) e cada comício tem sido um sucesso. Como efeito desse êxito, parte do NPA, que tem como candidato Poutou, chama a votar desde o primeiro turno no Front de Gauche.
Sim, os franceses seguem interessados por política; mas de uma política que assume claramente posições, que não é asseptizada, desprovida de engajamentos e que reconhece o seu passado, como quando cantam a Marseillaise e a Internacional, dois cantos revolucionários; cabendo ressaltar que o segundo foi engavetado pelo PS.
Sim, a politica segue sendo movida por símbolos e deve suscitar sonhos, pois se acaso se restringe a esfera do possível será inevitável reconhecer a crise e propor somente reformas e não mudanças.
E ai volto ao caso brasileiro, pois se o PT não tivesse ousado sonhar por mudanças seguiríamos com o Brasil de pré-Lula. E se tivéssemos nos deixado influenciar pelo fatalismo, de que não existiam mais razões para sonhar, que havíamos chegado ao fim das ideologias e mesmo da História? Assim não teríamos vivido a incrível aventura que nos embarcou o Lula e que segue com a Dilma.
Por outro lado, além do cenário de crise européia, estas eleições presidenciais francesas influirão na vida da comunidade brasileira que vive na França. Comunidade esta que gira em torno de 80 mil brasileiros, grande parte indocumentada e vivendo de trabalhos pouco qualificados.
A nossa comunidade viveu os últimos 5 anos de governo Sarkozy com muitas dificuldades, tendo em vista as ações governamentais dirigidas aos estrangeiros em situação irregular. Muito foi feito para satisfazer uma parte do eleitorado do FN que confiou o voto ao governo atual.
Afora isto, a extrema direita está omnipresente, tendo em vista os sucessivos pronunciamentos do Chefe da Casa Civil, que atacou aos Comorianos, aos Ciganos, que defendeu uma pretensa superioridade etnocêntrica ao tentar discriminar as civilizações e as diversas vezes em que demonstrou reticências aos mulçumanos da França. O FN perdeu o monopólio para tratar desses temas e neste tom, pois encontra eco em muitas esferas do partido que esta no poder.
A questão da preferência nacional não é algo defendido unicamente pela extrema direita, onde a questão da alteridade mais do que nunca incomoda. Tem sido fácil designar o estrangeiro como portador de todas as mazelas nacionais, sobretudo porque a dita crise demonstra que os Estados não têm força suficiente para enfrentar, exceto se acaso ousem propor mudanças. Portanto, é simplista designar o imigrante como o responsável.
E não mais se persegue somente o trabalhador pouco qualificado em situação irregular sobre o território, mas se tem dificultado a permanência de estudantes estrangeiros ou pesquisadores de alto nível. A circular de 31 de maio de 2011 (www.universiteuniverselle.fr), que demonstra claramente a vontade de fechar as fronteiras, teve como resposta um movimento de apoio chamado “A universidade é Universal e a matéria cerebral é de todas as cores”.
E as tensões em torno dos imigrantes não param por ai. Um dos principais temas das eleições presidenciais precedentes foi a questão da segurança. E os candidatos apontam a questão migratória como responsável de todas as mazelas, seja da pauperização da população, da precariedade do emprego, do alto índice de desemprego, da falta de moradias e a perda de qualidade do sistema de saúde e educação. O recente caso de Toulose veio agravar a situação, pois o ato do jovem francês de origem argelina acirrou as tensões e colaborou para separar as comunidades nacionais.
Na lógica eleitoral atual, o pronunciamento de Hollande por um voto útil, um voto anti-Sarkozy, deixa pensar que os companheiros socialistas abandonaram o sonho. Sim! A política é feita de uma parte de sonho, de aspirações que fazem com que exista a coerência social em torno de proposições, de mudanças e, caso contrário, resta a submissão.
Talvez, ao invés de pregar a austeridade, seria interessante que a esquerda ousasse se assumir enquanto esquerda como tem feito o Front de Gauche e o que, de certa maneira, o PT fez no Brasil, O mesmo Brasil que acreditou que um outro pais era possível.______________________________________ Membro do núcleo do PT em Paris, militante da Rede Educação Sem Fronteiras e de um dos coletivos Anti-FN.